Der Arzt

Na casa de meus pais tinha um livro de capa preta, escrito em alemão e em letras góticas, cujas figuras me impressionavam (não conseguia ler o idioma de Goethe). Parecia uma Bíblia, mas na realidade era um compêndio de medicina caseira, tipo "médico do lar", intitulado Der Hausarzt und führer zur Gesundheit (O médico do lar e guia à saúde). impresso nos Estados Unidos em 1929. Logo nas primeiras páginas, uma fotografia sempre me chamou a atenção: um médico olhava com atenção uma criança doente (aparentemente febril), e a mãe desesperada sendo afagada pela mão do pai, igualmente preocupado. Se considerarmos que a cena foi pintada no século XIX, em que eram parcos os recursos da medicina, imagino o que se passava pela cabeça do doutor chamado àquela casa.

Tanto aquela gravura me impressionou, que há muitos anos solicitei a um fotógrafo profissional que fizesse uma cópia ampliada, e hoje tenho em meu consultório esse quadro que, vez ou outra, me inspira na arte (e tentativa) de curar. E presenteei também à minha filha Geraldine, médica, uma outra cópia de igual tamanho.

Recentemente pesquisei na internet, e descobri que Der Arzt, ou The Doctor, ou O Doutor, é uma obra encomendada ao pintor inglês Sir Samuel Luke Fields (1844 - 1927) pela Rainha Vitória.

Fields, ao pintar a criança enferma, inspirou-se no drama que viveu com o falecimento do seu filho no dia de Natal de 1877. Na verdade, o quadro foi uma homenagem do pintor ao médico que assistiu seu filho na hora da morte. "O Doutor" é uma dos mais belos quadros que tem médicos como tema, retratando muito bem que o valor do médico não está em seu saber ou poder, mas em sua solidariedade humana. Foi pintado em 1891 e hoje encontra-se à visitação na Tate Gallery, em Londres.

Como escreveu Rubem Alves, em O Médico, 4ª edição, 2003: "A esses médicos, cujos nomes não é preciso dizer (pois eles sabem quem são), que silenciosamente meditam diante do abismo misterioso da tragédia humana, ofereço minha própria meditação impotente".